sexta-feira, 14 de abril de 2017

Sigam a vocação

     Por dever de ofício, convivo com jovens que devem fazer a delicada escolha da profissão. Eles estão no limiar do curso superior, têm entre dezesseis e dezoito anos e alimentam muitas dúvidas sobre a carreira que pretendem seguir. É fácil ler-lhes no semblante a ansiosa expectativa quanto ao futuro. Lidar com esse pessoal me comove e estimula, por isso de vez em quando eu lhes conto a minha história.
         A história nada tem de extraordinário mas, num contexto marcado pela absoluta primazia do financeiro como este em que vivemos, adquiriu uma dimensão desproporcional ao seu valor.  Muitos já conhecem o fato e me perguntam sobre ele antes de eu me manifestar: como é que, num mundo como o de hoje, você teve coragem de trocar o curso de Medicina pelo de Letras? Já estava no quarto ano, faltava pouco para se formar...
         Se eu tivesse feito o percurso inverso, ninguém se espantaria. Teria trocado um curso menos rentável por outro de melhor remuneração. Ainda que me revelasse, com o tempo, um médico chinfrim, todos aplaudiriam o gesto. Eu teria agido com “sensatez”, perseguindo mesmo ilusoriamente o conforto e o sucesso. Mas que se pode esperar, em termos de ascensão econômica e social, de um curso como Letras? Alguém me disse na época que era um curso para moças; ainda bem que tive suficiente confiança em minha masculinidade para não me assustar!
      Quando falo sobre este assunto com a garotada, limito-me a dizer-lhe que siga a vocação. Em meio às dificuldades e aos desencantos da vida, ela ainda é o referencial mais seguro. Se era difícil no meu tempo conseguir emprego, imaginem agora, que um mercado extremamente concorrido exige que cada um dê o máximo de si. Fica mais fácil atender a suas tirânicas exigências quando a escolha profissional não contraria a propensão inscrita em nossos gens.
Mudei de curso na década de 1970, quando o mundo era outro. Reconheço que isso pode ter tornado a minha escolha mais fácil. Ainda não se falava em globalização, e cada um podia curtir com espontaneidade a sua aldeia.
Hoje o futuro nos convoca com impaciência, como se o maior pecado fosse perder tempo. É preciso acordar cedo para os desafios de uma época de poucos empregos e que mede a realização de cada um pelo número de bens móveis e imóveis que conseguiu juntar. Desconfia-se de quem se diz contente com a profissão e não ostenta um grande patrimônio. Ninguém aceita o indivíduo “apenas” satisfeito.
Não me arrependo da escolha que fiz. Também não quero ser exemplo, pois teria me custado mais exercer uma profissão para a qual não era dotado. Só lamento que não ocorra a ninguém que um simples professor, dizendo a seus alunos estas e tantas outras coisas em sala de aula, pode estar contente com a vida. 

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A esquecida